A PREPARAÇÃO DO TEMPO
Em um espaço quase um segredo, uma nesga de luz acende a obra Grão, e coloca o espectador diante de um objeto que vibra calmamente, sem revelar o que verdadeiramente é. Ali, há um círculo minuciosamente calculado, com luz interior. O que será? Quem vê o quê? Você está diante de alguma coisa: objeto, sensação, descoberta, vibração, experiência. Como tudo isso vibra por dentro do seu cérebro? Não é a partir daí que o que vemos e sentimos se costuma chamar de “arte”? Um ruído, uma interrogação, um arrepio, algo que vai além? Grão está sozinha, no centro de uma parede marrom. Como um corpo arredondado, terrestre e sideral ao mesmo tempo. Se você voltar para casa e lembrar que esteve diante desse objeto circular, alguma coisa aconteceu com a sua memória. Ou seja, alguma coisa seguiu do hoje ao muito além. Água, madeira, areia. A resposta está na natureza. Marcos Amato vem da natureza da terra. Busca humanidades em cada uma das suas obras. Acredita no que desloca entre suas mãos. Um móvel escultura, madeira maciça, corte vertical, asa ao vento. Um corte vertical não se esgota. Madeira maciça e vento também não. Sim, porque o vento também poderá falar sobre o que o mundo contemporâneo até hoje chama de “arte”. O homem sente. A arte contemporânea poderá ser cruel. Menos para quem olha para os próprios dedos. Singular e plural. De profundes em areia: o recorte negro, a onda que segue e modifica as nesgas do azul. Novamente o vento sopra. Então surge Amar. Assim mesmo, bem simples: o verbo como se estivesse impresso na página de um livro. O homem volta a sentir. O verbo cala. E mais adiante esse outro mesmo homem, aquele que sempre observa o que possui entre os dedos inventa outro caminho, quase um perfil estrelar. E sem medo repete: Amar. É como uma rima. Como em um livro aberto, que página por página, poderá mudar a cada instante. No passo seguinte vem a pergunta: VOCÊ JÁ EXPERIMENTOU A LIBERDADE HOJE? Assim mesmo, como se estivesse soprando palavras ao vento. Não se esqueça: vento, madeira, areia, silêncio. O homem sente. Alguma coisa aconteceu com a sua memória.
Diógenes Moura
Escritor | Curador | Editor